Wednesday, July 06, 2011

O primeiro fim. (Ficção)

Abraçou-a com cuidado para não quebrar seu coração. Tarde demais.

‘Então, é que... tá complicado’ – clichê.

Dois anos e (quase) cinco meses parecem muito mais tempo para jovens de vinte e poucos. Aliás, ela mal tinha completado vinte, dezoito quando se conheceram.

‘Não tem nada complicado. Você é que não gosta mais de mim’ – também clichê. Era verdade, ela já sabia antes mesmo de pronunciar essa frase. Dito com voz embargada, soluço no meio da frase, tomou ares de melodrama.

Ele era perfeito para ela.
Estiloso e bonito estudante de cinema com olhos castanhos e barba mal-feita que passou um tempo na Europa.
O mundo passou a girar em torno dele. Aquele mundo novo onde só existiam as coisas interessantes que ele mostrava, aquela literatura desbocada, aqueles filmes com imagens fortes e planos-sequência infinitos e roteiros geniais que ela entendia mas ainda não sabia direito porque eram geniais. Tudo era tão... cheio.

‘Não é nada disso...’ – Ele não ia admitir. Claro que não. – ‘Eu gosto de você... sim.’

Ele só pensava em sair da cafeteria. O lugar diminuía, as pessoas só entravam, ocupando o ambiente com auto-confiança e nariz empinado. Ele queria ser uma daquelas pessoas e a odiou por estar naquela situação. E agora era obrigado a concretizar o óbvio, terminava o que terminado já estava desde o início. Gostara dela ao se conhecerem, claro, mas gostava mesmo era da segurança. E o corpo dela... Lindos aqueles... Aliás, era toda linda. E o melhor, nunca iria magoá-lo, ele estava seguro. Boas lembranças. Terminar... já não era tão certo assim. Uma insegurança foi substituindo o desamor e voltar atrás já era uma opção. Era o motivo errado, mas um motivo, né? Estava tendo uma recaída, precisava sair logo dali. Por isso tinha escolhido um lugar público, afinal.

‘Você quer rachar a conta ou...’

Um olhar lento, vermelho-lágrima, de tão triste se tornava inexpressivo, mirou o rosto dele.
Ele se afastou, tocando o encosto da cadeira. Sentiu medo de sua criatura, medo, da mágoa, que tinha criado.

‘Eu pago a minha parte. Pode ir embora’.

E foi. Desconcertado, não sabia porquê. Descobriria mais tarde que tinha sido por causa da maturidade que ela mostrou, maturidade que ele não soube reconhecer na hora porque não possuía. Dali pra frente ela seria uma mulher. Se encontrariam várias vezes durante a vida, a maioria casualmente, nenhuma delas por amor. Uma ou duas vezes por sexo, verdade, mas nenhuma por amor ou amizade sincera. Tentou reconquistá-la por inveja, mas ele ainda era um menino bobo com seus filmes superestimados e ela nunca mais serviria de escudo sentimental para outro menino bobo daqueles.

Wednesday, May 25, 2011

Relato de um Nerd (Ficção)

_Pai, mãe: Eu sou um nerd.
Foi assim que falei, de supetão. Um choque tremendo, meu pai virando a mão no meu pé-do-ouvido, minha mãe chorando, dizendo que sonhava me ver casado e não forever alone, dizendo que queria ter netos... Pelo menos era o que eu esperava que acontecesse. Mas não.

_Nós já sabíamos, meu filho. Hoje em dia está tudo na TV. Quando você passou dos 15 anos e continuou comprando ‘aquelas coisas’ – aquelas coisas é como eles chamam as minhas HQs – notamos que tinha algo diferente em você. Mas você sabe que sempre te amaremos, não importa o que aconteça, e se você é assim, nós vamos te apoiar. Mesmo se você preferir levar uma toalha a um canivete suíço quando for acampar.

Meu Deus, em que mundo nós estamos?

Mas logicamente eles estavam certos. Acabou-se o tempo que ninguém entendia quando alguém era chamado de Jabba the Hutt. Agora as pessoas riem disso! No colégio eu tinha 2 amigos, éramos os únicos nerds. Passávamos o dia conversando sobre Star Wars ser melhor que Star Trek, sobre o Bruce Wayne estar numa cadeira de rodas - na época estava - e o Superman ter ressuscitado sendo parido de um robô gigante que atravessou um oceano andando pelo fundo do mar enquanto gerava ele na barriga. Ok, era um tanque...

Bom, um desses amigos era o já citado Jabba. Uma vez veio um playboy e perguntou pra ele assim:

"Jabba, seu nome é diferente né? Sua família é estrangeira?"

"É! De outra galáxia!" Ele respondeu. Por Odin, tinha gente mesmo que acreditava que esse era o nome dele???

Ser nerd é o novo "alternativo". Posso chamar esse neo-modismo de Nerd Chic? O Google me disse que já chamam. “Eu era nerd” vai ser o comentário das patricinhas do futuro. E elas vão continuar desprezando os nerds de alma, que sempre foram nerds e que serão nerds até o fim da vida, sendo eles milionários no ramo da informática ou juntando trocados para comprar o encadernado do Marvels 50º Aniversário Ultimate Big Plus Motherfucking Edition com desenhos extras do Alex Ross.

Nota mental: apagar a parte sobre os milionários. Eles tem chance.

Mas eu não me importo com elas. É muito melhor conversar sobre filmes do que sobre roupas. Shopping é aquele lugar onde tem livrarias, cinemas e outras lojas, certo?
Prefiro as garotas inteligentes, exatamente como a minha namorada. E, pelo visto, não ficarei forever alone como minha mãe esperava - não só ela. Esses malditos clichês, nos quadrinhos, nos filmes, na vida, na TNT...

Bem, tenho que ir. Terminar de guardar minhas novas HQs em saquinhos, sabe como é.
Vida longa e próspera. _\\//

E feliz dia do #orgulhonerd