Sunday, July 08, 2007

O Amor Engorda (Ficção)

O namoro agora durava apenas duas semanas, mas Julia já marcara o encontro de Paulo com sua família. Tinha certeza que elas o adorariam, e era verdade.
Ela tinha sido aquele tipo de garota criada somente por mulheres. A mãe, duas tias e a avó, todas moravam sob o mesmo teto. O pai, falecido logo do nascimento de Julia, havia deixado uma bela herança mais que suficiente para que a única filha pudesse ser criada com tudo de bom e de melhor, estudasse nas escolas mais caras e na faculdade mais conceituada. E nessa faculdade, acabara de conhecer seu novo namorado. E insistia, desde consolidado o namoro:
_Você tem que conhecer a minha família. Todas vão te adorar.
E não é que adoraram mesmo?
Ele era um desses rapazes bem apanhados, sempre bem vestido à moda da época, trabalhava e possuía o próprio carro. Unânime: era um bom partido. Poderia dizer-se disputado, mas gostara de Julia assim que bateram os olhos um no outro. Pois bem, o namoro ia de vento em popa, era natural o convite. Ele aceitou prontamente.
A mãe e as tias se juntaram à opinião vigente entre todas as mulheres que o conheciam:
"_Bom partido!". Só a avó tinha uma ressalva: ele parecia um pouco magro demais.
Logo esse primeiro jantar (assim como todos os seguintes) fora de uma fartura impressionante, mesmo para o número incomum de pessoas na casa. Todas eram, digamos, cheias de corpo, inclusive Julia, mas, Paulo notou, nenhuma comia especialmente muito. Ao contrário, ofereciam muito, que o rapaz aceitava sem jeito. Claro, uma hora ele não agüentava mais, e ainda sem graça, começou a negar a comida, disfarçando o quanto podia, hora fazendo um singelo "não" com a cabeça, hora emendando opiniões (nenhuma polêmica) aos assuntos discutidos à mesa. Opiniões essas, diga-se de passagem, adoradas pelas ouvintes, que se interessavam cada vez mais pelo futuro médico.
Paulo fez sucesso naquela noite, e em todas as seguintes. Passou a freqüentar regularmente a casa da namorada, onde era tratado à pão-de-ló (quase literalmente).
Era sempre recebido com fartos banquetes, os quais as mulheres da casa não o deixavam recusar. Passou a desenvolver técnicas, como por exemplo, a de nunca jantar antes de saber se seria dia de visita à casa "das sogras".
E, seguindo o curso natural das coisas, Paulo começou a engordar.
_Agora sim está corado. - dizia a avó da menina com orgulho.
_É como um homem saudável deve ser. - enchia a boca a tia nº1.
_Viu o bem que fizemos a ele? - dizia a tia nº2.
_É o genro que eu pedi a Deus! - exagerava a mãe da garota.
E, verdade seja dita, o próprio Paulo gostava da adulação. Começou a comer com gosto, ao passo que se acostumava a ser elogiado, bem tratado, sem precisar sequer pedir nada; antes já o ofereciam. E o rapaz engordando...
Chegou a formatura dele. Estavam as cinco (Julia e as mães) tão apaixonadas por ele, que se ofereceram para pagar a festa toda. E foi aquele banquete. Paulo engordava, por baixo, 10 quilos a cada ano. E o amor delas crescia proporcionalmente ao peso do rapaz. Até que a primeira desavença, em todos aqueles anos, veio junto com a frase:
_Quando casarem, vêm os dois morar aqui em casa! - sentenciou a avó, apoiada pelas outras velhas, irredutíveis.
A princípio, Paulo ficou calado. Ponderava, pensava que tudo se resolveria, mas isso o consumia vorazmente, assim como ele comsumia os jantares. "Como pode-se morar com a sogra?" Paulo se perguntava. "E ainda são quatro!"

Depois de alguns dias pensados, tinha certeza: estava fora de cogitação. Mas, amando Julia cegamente, não queria deixá-la. Decidiu, por fim, pedí-la em casamento e, na mesma hora, comunicar que não moraria com as coroas.
E assim foi feito. Os protestos foram instantâneos, primeiro com choro da parte das senhoras, em ordem decrescente de idade - a primeira a chorar foi a avó.
Em seguida, diante da irredutibilidade do noivo, gritos histéricos. Ainda sim, ele não cedeu.
Então elas pensaram, pela primeira vez, na possibilidade de perdê-lo. Não gostaram do pensamento nem um pouco. Se entreolharam e decidiram, caladas: Ele teria que ficar com elas para sempre.
Subitamente, sabiam o que fazer, cada uma a sua parte, como um pacto silencioso. Cercaram Paulo, que não entendia patavinas do que acontecia. E a avó, logo a avó, chegou por trás dele com um rolo de madeira, daqueles de esticar massa, e bateu-lhe na cabeça, com toda a força de uma senhora gorda. Paulo caiu instantaneamente no chão, desmaiado. Julia assistia, calada e inexpressiva.
Levaram ele para a cozinha, desmaiado, e cortaram-lhe primeiro, a cabeça. Jogaram de lado, abriram o peito e tiraram-lhe os órgãos. A avó temperou, refogou e tacou na panela, afim de fazer uma sopa. Enquanto isso, a ex-futura sogra tirava pedaços de carne das partes mais fartas do cadáver de Paulo: fazia bifes dos pedaços menores e os colocava em uma frigideira; os pedaços maiores, arrumava em travessas para assar no forno. Tudo isso temperado pelas tias. Logo viram que era muita carne, e guardaram alguns pedaços na geladeira. Membros e cabeça foram para o lixo.
Foi um jantar calado, nostálgico, mas com a satisfação da certeza de que ele ficaria com elas, dentro delas, para sempre. Jantaram, pela última vez, com Paulo.