Tuesday, December 19, 2006

Olhinhos Azuis Brilhantes (Ficção) (Agora com Final Alternativo! eheehhhehe)

A minha já mencionada filha pediu uma boneca de presente de aniversário. Era uma daquelas bonecas grandonas, já imitando uma adolescente, com mais de um metro de altura, cabelos louros e olhos azuis brilhantes. As roupas da boneca eram, normalmente, roupas de quando minha adorada filhinha era ainda mais nova, por volta de um ano de idade, e em tudo ou quase tudo a boneca se assemelhava a um ser humano. Até umas frases idiotas a boneca falava.
Por vezes, a boneca me pregava uns sustos. Minha filha a deixava sentada no sofá da sala, eu passava e via de relance aqueles olhos azuis cintilando. Quando eu olhava, a boneca me encarava com o riso estático à meia-boca, um sorriso semi-aberto que continha dentinhos plásticos de um branco artificial. Singela. A singela beleza plastificada me encarando.
A boneca passou a semana inteira na minha casa, enquanto minha filha estava na casa da mãe. Coloquei a boneca dentro do quarto da única criança da casa e só quem entrou lá foi a empregada para arrumar. Na sexta, às vesperas dela chegar, fui ver se o quarto estava arrumado e, quando abri a porta, a boneca estava com a cabeça virada de lado, olhando como que assustada pela porta aberta de supetão. Cheguei a conclusão de que a empregada a deixara daquele jeito aleatoriamente, mas mesmo assim me incomordaram os olhinhos azuis feitos de acrílico.
Eu já vi muitos episódios de Além da Imaginação, do tipo em que uma coleção de barbies toma uma casa de assalto mantendo a governanta de refém ou um boneco de um herói toma vida, e sabia que não era isso que estava acontecendo. Era uma boneca, e ela estava sempre lá como uma boneca, sempre era tratada como humana e estava começando a me encher o saco. Não sei dizer por quê, mas eu sempre me sentia observado pela boneca. Sem contar os sustos de ver, de relance, uma figura "humana" olhando para mim no escuro. Minha filha deixava a boneca por todo canto. Na sala, na cozinha e até no banheiro. Uma vez, quando abri a porta, estava ela lá sentada no vaso olhando em direção a mim. O susto foi tão grande que quase que eu faço nas calças mesmo. Ainda bem que me toquei ser a boneca a tempo e me contive. Ela era tratada como um ser humano. Minha filha passava o dia com ela. Dava comida, colocava pra dormir, levava ao banheiro. Numa dessas que eu levei o susto relatado acima.

Enfim, numa manhã de sábado, fui acordar minha filhota no quarto dela. A colcha a cobria da cabeça aos pés, e eu entrei chamando pelo nome. E nada dela responder. Chamei mais umas duas vezes e silêncio. Quando tiro, já angustiado, a colcha, está lá a boneca sorrindo debochada pra mim, com os olhinhos azuis abertos, com cara de quem me pregou mais uma. Não contei conversa: peguei a boneca pelo pescoço, xingando, e chamei pela minha filha; ela não respondia. O que teria acontecido? Saí gritando pelo apartamento, desesperado, e nada. Perguntei, perguntei e nada. Por fim, apelei: "Se isso for uma brincadeira, a brincadeira acabou. Cadê você? Aparece!" - num tom entre o raivoso e o apelativo, gritando. Minha menina saiu de trás do sofá, meio assutada, e me comunicou que estva brincando de esconde-esconde com a boneca. E a boneca lá, me sacaneando com o sorriso artificial de escárnio, os olhos brilhando, feliz da vida. Tinha sido a gota d'água.
Peguei-a pelos cabelos louros de plástico e fui até a varanda, seguido pela minha filha. Olhei pra ela, levantei a boneca bem alto e disse: "Isso daqui é só uma boneca!!!" - e defenestrei a boneca 4 andares abaixo. Se chocou lá embaixo no chão e se quebrou em vários pedaços. Um deles era a cabeça. Minha filha pediu para ver, eu a levantei no colo e mostrei. E não é que a cabeça da boneca ainda tinha os malditos olhinhos azuis brilhantes e o sarcástico sorriso plástico cheio de ironia? E n
ão é que ainda me encarava a filha da puta!

P.S. vai ficar desse jeito por enquanto, depois eu dou uma guaribada na escrita. valew.

P.S.2: Vai um final alternativo sugerido por dois grandes amigos numa conversa interessantíssima e engraçadíssima, e aqui vai meus sinceros apreços aos dois. Mas para melhor entender o final alternativo, sugiro a leitura do conto anterior, Mr. Bojangles.

Desisti de olhar os olhinhos lá embaixo, resolvi deixar tudo aquilo pra lá. Levei minha filha à cozinha, coloquei uma enorme taça de sorvete para cada um de nós dois e começamos a ver televisão. Ela pediu para que eu fosse no quarto dela pegar um brinquedo para ela. Fui, terminando minha taça de sorvete no caminho. Quando abro a porta, está sentada na cama, como costumava fazer, a desgraçada da boneca, inteiríssima, com os olhinhos azuis de mentira me olhando, o sorriso artificialmente irônico me sacaneando. Senti um misto de surpresa e susto, mas algo chamou rapidamente minha atenção: um objeto transparente brilhava no colo da boneca, cintilando como que se mexesse. Estava parado, era de vidro. Tinha água dentro. Era um vidro de maionese. E algo se movia dentro do vidro de maionese. Lá estava, para o meu grande espanto, o Mr. Bojangles nadando. Nadava em um ritmo certo, nadava como se ouvisse a música.