Friday, October 12, 2007

...Do Jeito que as Pessoas Conhecem Pessoas... (Ficção)

A aeromoça o acordara com uma leve carícia no ombro e um sorriso muito amígável, chamando-o de senhor e avisando que o lanche estava sendo servido. Ele, sem entender direito o que se passava, se ajeitou na poltrona e a moça fez um movimento com as mãos que desceu a bandejinha de plástico fixada na poltrona à frente da dele. O suporte deslizou em sua coreografia usual parando na horizontal a centímetros dos joelhos de Felipe. A loura de olhos verdes e sorriso estático colocou um recipiente plástico com um sanduíche envolto em filme tranparente dentro. Ele ía do Rio de Janeiro a Recife, num vôo vespertino sem escalas, e não tinha almoçado antes de embarcar. O sanduíche, embora sem graça (pão integral com uma fatia de queijo coalho crua dentro), parecia uma boa pedida.
_"Para beber, o senhor aceita o quê? "- perguntou a bela aeromoça com sua bela voz de um tom calculado, semelhante às das atendentes de telemarketing.
_"Coca-Cola mesmo." - disse Felipe, pensando na cafeína.
Meneeou a cabeça de lado afim de estalar as juntas do pescoço e deu a primeira mordida. Mastigando, olhou acima de sua poltrona um grupo que conversava animado, todos trajando calças jeans e leves camisas de algodão com uma bela logomarca na frente e diversas propagandas atrás. Agora um gole na lata de Coca, tornou a olhar o grupo, e logo sua atenção foi direcionada para uma garota de rosto branquíssimo e cabelos negros e ondulados que gargalhava despreocupada. Estava sentada de lado no braço de uma poltrona, com os pés descalços no assento da mesma, de maneira visivelmente desleixada e displicente. Dando outra mordida, ele se perguntou se ela não estaria infringindo alguma regra do avião e em quanto tempo a aeromoça iria advertí-la, mas nem a aeromoça apareceu e nem ela sentou corretamente. Apenas gargalhava com seus lábios carnudos e seus dentes perfeitos jogando a cabeça pra trás, quando algum dos outros 4 integrantes do grupo dizia algo. Uns estavam em pé, outros sentados errados em suas poltronas, de modo que formavam um animado círculo que tanto poderia estar ali quanto no meio de uma calçada em qualquer cidade do mundo.
Mas fora ela quem chamara a atenção de Felipe. E continuava chamando enquanto ele terminava a refeição descartável (como tudo em um avião), até que ele resolveu ir ao banheiro. Se levantou e foi andando em direção à animada turma, que se afastou para dar-lhe passagem, e ao mesmo tempo, ela se levantou e foi atrás, como se o seguisse. Fingindo não notar a presença dela andando atrás dele, ele continuou se esqueirando entre as poltronas e parou em frente à porta do banheiro descartável. Notou que estava ocupado e parou. Não agüentou e virou-se. Ela o olhou com desdém, uma leve estudada nele enquanto mastigava o chiclete. E ele a olhava, fascinado.
Não devia ter mais de 25 anos. Olhava para ele e tudo ao redor como se não visse nada de especial. Seus olhos bem pretos, brilhavam como ônix, e corriam todo o cenário tranqüilamente. Seu nariz era pontudo e bem desenhado. Acima da narina esquerda, tinha um piercing pequenininho com um brilhante minúsculo, que facilmente poderia ser confundido com um sinal por um olhar desatento. Seus lábios, além de carnudos, se projetavam para a frente dando a impressao de sua boca ser mais vermelha do que as outras bocas, provavelmente pelo contraste com o branco do rosto. Não usava batom. Sua camisa brança básica da Hering tinha a logomarca que todo o grupo usava, e que agora ele via bem: Intrumentos de percussão como que pintados e abaixo um nome em letras garrafais: Grupo de Percussão Atabaque.
_"Tá gostando do que tá vendo?" - uma voz feminina o tirou dos pensamentos.
Ela o encarava entre o sério e o escárnio, o que o impelia a responder. Felipe se tocara de que, ao ler os dizeres na camisa dela, também olhava em direção aos seus seios.
_"Não, não era isso que eu estava olhando" - tentou se desculpar, sem graça - "eu estava lendo o nome do Grupo que você e seus amigos fazem parte..."
_"É o que todo o mundo diz..." - ela fez uma expressão sarcástica. - "...estou só tirando uma onda com a sua cara. Deve estar com dor de barriga, né?"
_"Hein?" - Felipe balbuciou, rosto incrédulo, sem saber o que dizer.
_"O cara dentro do banheiro, que tá fazendo a gente esperar" - apontou com a cabeça - "faz uma meia hora que está aí. Deve estar com dor de barriga pra demorar tanto" - e riu baixinho.
_"Ah bom..." Felipe disse. "É, deve estar sim... Mas você pode ir quando ele sair, eu não me importo." - tentou ser gentil, sem sucesso.
_"Ah, só pra eu ter que respirar o cheiro do cocô dele todo pra você, né?" - ela disse, e gargalhou uma de suas risadas gostosas. Ele não aguentou e riu também.
_"Não foi bem isso que eu quis dizer... só queria ser legal.. Mas não precisa se não quiser..."
_"E sentir o cheiro do seu, então?" - ambos riram novamente.
Silêncio. Mais silêncio. Constrangedor. Ele começava a pensar no que dizer ou no que perguntar. Ia perguntar o nome dela, quando:
_"Sabe, pela demora dele, acho melhor você ir na frente mesmo" - e riu descontroladamente.
_"Não foi isso que eu quis...."
_"Dizer?" - ela completou - "eu sei seu bobo. Estava apenas tirando..."
_"Uma onda com a minha cara?" - agora era vez dele completar.
Ela sorriu, olhando-o nos olhos, como se procurasse algo:
_"É, exatamente".
O ocupante da cabine sai nessa mesma hora e, ao notar as duas pessoas esperando, olha pra baixo. Ela, baixinho:
_"Olha, o cagão saiu."
Ele não aguenta e cai na gargalhada; ela mantém a cara irônica, com um sorriso simpático estudando a risada dele.
_"Agora a senhorita pode ir" - ele falou em tom solene, como um porteiro de um hotel luxuoso.
_"Pois a senhorita odeia machismo, e como você chegou primeiro, vai primeiro." - sentenciou.
_"Há uma certa diferença entre machismo e gentileza..." ele soltou, baixinho. Ela fez uma expressão indignada pelo desafio:
_"Você daria a vez para um amigo seu que tivesse chegado depois?" - ela inquiriu.
Felipe pensou, olhou-a com cara de vencido e falou:
_"Ok, não daria. Você venceu. Satisfeita?"
_"Não, não estou satisfeita, porque vou ter que segurar o xixi mais um pouco. Mas, é o justo."
_"E qual é o nome da senhorita 'justiceira'?"
_"Lorelai."
_"Tá brincando? Que nem a da Gilmore Girls?" - ele perguntou, incrédulo.
_"Não, que nem a minha avó. Era o nome dela. E se você não for, eu vou" - disse, apontando para o banheiro.
_"Ah, desculpe. Vou sim." Seu tom era resignado...
_"Quando você sair conversamos mais." - ela sorriu.
Ele sorriu e entrou na cabine. Saiu instantes depois, tendo mentalizado exatamente o que diria:
_"Estou sentando naquela poltrona" - e apontou. "Vai lá depois que sair."
Ela riu:
_"Ok, vou sim".
_"E lave as mãos". - Ele levantou a sobrancelha sorrindo, desafiador.
Ela riu.


Felipe estava sentado na sua poltrona, lendo o jornal do dia entregado pela aeromoça loura. Fingiu não a ver sair do banheiro, chegar nos amigos, dizer algo e passar por eles, para sentar-se no assento vazio ao seu lado, de supetão.
_"Quer cheirar pra ver se lavei?" - disse ao se jogar.
_"Eu confio em você" - ele afastou o rosto, com nojo fingido.
_"Não vai se arrepender. Sou muito verdadeira."
_"Não duvido" - ele sorriu. Olhou-a nos olhos. Ela retribuiu por um instante, depois baixou o olhar. Ele começou a pensar que não conhecera ninguém como ela até então, mas teve seus pensamentos cortador por...
_"E você, pelo sotaque, não é de Recife. Tá indo a trabalho, né?" - ela piscou.
_"E você descobriu isso..."
_"Pelo terno. Quem é que viaja de terno, pelo amor de Deus? Tem que ser muito mauricinho" - e gargalhou. Felipe riu junto.
_"Vou te dizer quem viaja vestido assim: quem, ao sair do avião, vai ter um encontro com um cliente muito importante da empresa de contabilidade para o qual ele trabalha." - ele disse com falsa raiva. Ela faz cara de espanto e disse:
_"Mas como é importante ele, meu Deus. Um perfeito executivo." - e riu sarcastimamente. Pelo visto, zoar com ele era um bom passatempo. Era vez dele tentar o truque.
_"Muito bem: você e seus amigos ali estão voltando pra Recife após uma apresentação no Rio, talvez para acompanhar o show do Carlinhos Brown que teve semana passada". Fez uma cara de "que tal?"
_"Acertou e errou. Fizemos uma apresentação, sim, mas o Carlinhos Brown é baiano, e além disso, deve ter quem o acompanhe. Apenas fomos a um encontro de Grupos de todo o Brasil."
_"É, a do Carlinhos Brown eu chutei mizeravelmente mal, só falei porque sei que ele tocou com o Olodum uma vez, no carnaval, não foi? Mas foi uma boa aposta, caso eu tivesse acertado."
_"Um chutasso. Mas foi fora."
Sorriram. A conversa continuou no mesmo pé. Ela falava, ele ria, ele falava, ela ria. Às vezes, riam juntos. Estavam se dando muito bem; ela era boa de papo, ele adorava uma conversa. Mas era mais que isso. Havia uma sintonia, apesar da diferença visivel das vidas que levavam. O comandante do avião pediu a palavra pelo speaker e avisou que em breve aterrisariam no Aeroporto Internacional dos Guararapes.
Se entreolharam ao notar que o tempo passou mais rápido que puderam perceber. A noite brilhava pela janela do avião e logo ele teria um jantar; Ela, iria para o apartamento alugado pago pelo pai que a esperava, sozinho.
Ele não teve dúvidas: beijou-a profundamente na boca. Foi um beijo meio desajeitado, por não ser calculado nem esperado, mas ela não protestou; entregou-se profundamente, suas línguas se enroscaram freneticamente no escondido da boca. Se beijaram e se beijaram, até que o fôlego de Lorelai acabou e deixou Felipe querendo mais. Ela sorriu:
_"É, até que o executivo beija bem..."
_"Eu não sou um executivo. É apenas o que eu faço." - ele disse sério.
Ela fez cara de espanto:

_"Uuuuhhhhh, peguei na ferida!" - e riu uma de suas risadas, deliciosas ao ouvido de Felipe.
_"Onde o senhor executivo vai ficar?"

_"Não sei ainda, vou procurar um hotel. Recomenda algum?"
Ela disse o nome de um hotel que ficava perto (não tão perto assim) do apartamento dela. Ele pediu-lhe seu telefone. Ela deu. Ela perguntou quanto tempo ele iria ficar. Ele respondeu.
E veio o frio na barriga: o avião estava descendo. Logo se separariam. Ela disse:
_"Vou falar ao pessoal que os encontro na parte da bagagem; temos que pegar os intrumentos. A gente desce junto, ok?"
Um minuto depois estavam todos do avião em pé. Ela se encontrava com ele, que a esperava em pé em frente a sua poltrona, com uma maleta 007 na mão. Ela não perderia a oportunidade:
_"Além de tudo, quer ser o James Bond". Os dois riram.
Desceram a escada do avião e ele sentiu pela primeira vez o odor "peculiar" da cidade. Estranhou; ela riu. "Você se acostuma" disse, mas teve a voz abafada pelo som dos aviões na pista. Quando entraram na sala de bagagens, esperaram as malas. A esteira trouxe a dele, que ele pegou. Olhou o relógio: estava em cima da hora, era preciso ir.
_"Tá na minha hora" - falou com seu sotaque carioca. Ela compreendeu.

Se beijaram profundamente. Ele falou:
"_Te ligo."
"_Liga nada" - ela disse, o empurrando em direção à porta. Se virou para a esteira que traria em breve, os instrumentos empacotados de seu grupo. Viu seus amigos de longe e correu em direção a eles, sem olhar pra trás.
Ele assitiu tudo isso enquanto entregava o bilhete da bagagem para ser conferido pelo funcionário do aeroporto. Saiu pela porta, entrou num taxi e foi aos negócios.

8 comments:

Anonymous said...

Tão bom quanto uma novela do Manoel Carlos.

A M E I.

F/X said...

eu sei que vc chorou no final....

Anonymous said...

o final que eu esperava. combinando mais com ela do que aquele outro poss�vel final q vc me falou. :b adorei. ser� que ele ligou pra ela? ;x

Flávio Caldas said...

Heheheheehe!!!

Anonymous said...

Nem uma trepada no banheiro como bom clichê...? Ficção não-científica.......

Dani. said...

q felicidade
abrir aqui e ter um textinho novo :)
beijo pra tu

Anonymous said...

eu odeio isso aqui: aueheuhaeueahaeuheuheueu
1: se fosse assim, ia ficar igual a sete palmos, a grande série do ano passado...
2: jah que não terminou assim, posso entender, então, que não foi um clichê?



sininhofl:
obrigado querida, vc sabe q eu escrevo praticamente pq vc olha o blog mesmo...

Anonymous said...

Ei, senhor finais trágicos, e o avião nem explodiu no final...
thiala