Thursday, May 17, 2012

Sorriso Alfaiate (Ficção)

E o Coringa ri. Ri das piadas que não conseguiu prever, especialmente feitas para ele. Sabe que sim. Tem certeza, charme, se delicia. O mundo de palhaços ao qual pertence também pertence a ele, embora não saiba exatamente o que faz ali. É alguém em um novo emprego.

Gosta de se vestir à caráter, de fazer parte do Club Dus Circensis. Colete em volta do pescoço, gravata de seda estampada. Boa pessoa. Abotoaduras de guirlanda chacoalham em seu pulso. Camisa verde combinando com as meias cor-de-abóbora. Classe.

Sorri forçado à corte e costura, não tem escolha. Anda de lado como se bêbado estivesse. Entrando no recinto, enviesa na diagonal como bispo pelas casas pretas do assoalho xadrez. A verdade é que anda em L e passa por cima das outras peças quando lhe convém.

Mudar. O porquê de ter passado maquiagem pela primeira vez. A camada branca serve para esconder quem é; de todos, de si mesmo. Incrivelmente, não sabe disso. Acredita mesmo se encontrar ali. Outros se encontraram e ainda se encontram, de fato e corretamente, mas porque são honestamente assim.

Mas não esse Joker, que nem mesmo piada faz. Maquiado está o seu olhar, o ângulo do qual vê o mundo.

Não faz a menor idéia de como as coisas funcionam. Faria, se alguma vez já tivesse se perguntado as perguntas certas. Know thyself. Conhecer-se? Não há nada de bom para conhecer.

A cada desbotar, a pancake torna sua maldição mais evidente. Cada lágrima que escorre em segredo leva consigo uma porção branca de pasta especial para face, descobrindo o que sempre escondeu: o fardo desse Bufo jamais ter feito alguém sorrir.

Wednesday, April 11, 2012

O Sim e o Não

Sentidos intoxicados revelam tanto
quanto um striptease da alma: muito, mas invisível.
O Não visto é melhor.
Seria melhor ainda se fosse o ideal,
mas é o Não possível que agrada.
A natureza dos atos singelos,
tranquilos pela certeza do Não.
O Não, essa entidade,
que leva o tudo a ser nada a perder.
O Não que deveria ser ruim.
Mas até que ponto, até quando, o Sim é bom?
Até que ele seja desejado.
Até lá, o Não é o Sim desejado.

Thursday, April 05, 2012

Diário de bordo (uma ficção científica, quem diria).

Trafego por diversos universos sem cerimônia, mas com muito respeito. Mundos com suas órbitas particulares se aproximam; diferente de Melancholia e Terra, não colidem; coexistem. Interessantes habitantes aparecem mais ou menos, com importância diretamente proporcional ao tempo de permanência. Toda a cortesia entre os mundos é eventualmente entrecortada por um ou outro (raro) bárbaro. Destes minha nave mantém distância – graças à Nébula Maior por isso.

Piratas de energia são os problemas mais comumente enfrentados. A carga positiva que transporto é alvo constante de tentativas de seqüestro, mas sem sucesso, tranqüilizo. Nota para registro: são personas intrigantes tais saqueadores. Confiam tanto na própria sombra quanto na própria tripulação = zero. Hasteiam suas bandeiras no mais alto mastro para impô-las aos (sub)mundos, provável única forma de auto-destaque. O máximo que conseguem são tripulações reféns e diminuídas, tão logo dissimuladas; eventualmente eclodem motins.

Já minha tripulação, os chamo de Iguais. Não possuímos patentes, nos tratamos pelo mesmo posto. Uns poucos escolhidos, de universos paralelos, e diferentes, mas nenhum melhor ou pior que o outro. Os motivos para estarem a bordo são afinidade, competência e confiança. Cada um possui um departamento, são os melhores no que fazem. Protegem minha retaguarda tanto quanto protejo as suas. A solidão do espaço infinito se extingue tão logo suas presenças são requeridas. Os percalços encontrados por uma nave dessa magnitude se mostram constantes, embora facilmente solucionados quando se pode contar com parceiros dessa competência. Gratidão eterna à minha equipe.

Quanto à solidão no dead space, esta só pode se constatar inevitável. Já afirmada em registros de diários anteriores, o sentimento inerente só pode ser diluído em duas situações: pela já bem falada tripulação e/ou por presenças afetuosas das habitantes de maior importância dos tais universos pelos quais trafego. Tem se mostrado difícil – mas não impossível – tal afeição. Desde que a última integrante deste seleto grupo aportou e abandonou a nave, escolhendo um desses universos adversos - não sua estrela natal, registro. Levou consigo uma parcela da carga positiva que nossa embarcação espacial carrega. Embora tão seguro, o carregamento está sujeito à subtrações, racionalmente remediáveis a médio prazo.

Desde então, esses universos tem me presenteado com companhias importantíssimas, fugazes, intensas e felizes, às quais posso creditar novos observações, vivências extraordinárias e um superávit nos níveis de positividade, adicionada e incorporada à carga transportada pela nossa embarcação. Esse diário se obriga a precisão, portanto deve assinalar que tais mantimentos ainda se encontram subtraídos, se comparados ao acúmulo original de positividade nativa. Porém, se torna imprescindível a referência ao gráfico anexo; este registra uma forte tendência de alta no que diz respeito ao precioso ítem positivo que torna possível para essa nave mãe o simples ato de decolar.

Ademais, eventos que não merecem registro.

De: Controle da Nave
Para: Lar Doce Lar

Over.