Thursday, December 10, 2009

Felicidade (não toda, mas alguma)

   Uma obra de arte. Um caso desconhecido.
   Pequenos segundos que tiram o ostracismo.
   Um olhar eterno. O tempo para.
   O arrepio provocado pela lembrança.
   A observação das criações humanas,
   ilustradas de bens materiais.
   A arquitetura do monumento.
   O desenho que musica o momento;
   A música que desenha o intento.
   O respeito contido no silêncio,
   a felicidade do consenso.
   O dia compartilhado,
   o discurso concordado.
   Beijos, abraços, o toque em si.
   O orgasmo ao mesmo tempo.
   A descoberta que o amor ainda existe.
   O gol do goleiro, a defesa do artilheiro.
   O gancho do armador, o toco do pivô.
   A premiação.
   A sutileza da história, as entrelinhas lidas.
   O cansaço da corrida.
   A vitória da vítima, a volta por cima.
   O sono. O sonho. O samba.
   A ajuda do amigo na hora certa.
   O certo escrito por linhas tortas.
   A comida bem feita.
   O presente para quem se gosta.
   As palavras que a primeira letra de cada frase forma.
   Decifrar um enigma.
   O conhecimento.
   Felicidade.

Para conseguir respirar.

Não consigo respirar.
Há corvos por todo o lugar.
O bater de suas asas no teto batucam o som do desespero.
As paredes se fecham no meu estômago.
Meus pulmões.
Névoa cinza capitalizada que me rouba horas de vida;
põe na conta ou cobra da morte.
Não que eu me importe.
Deitar, ficar em pé, nada disso é opção.
Nada disso.
Filmes, livros, músicas; amortecem mas não esquecem.
Lembram.
Fractais formam formas factuais.
Lembranças?


Como respirar sem gás carbônico?
Como chorar sem sangue?
O maior dos planetas possui a maior das luas em um sistema de duas estrelas.
Um império de sujeira com seus súditos leais que povoam um universo de massa escura.
Corpos rochosos que não se tornaram planetas.
Crianças brincam de adulto a toda hora.
O sonho nem ao sono conforta. O travesseiro, talvez.
O horror.
O horror da hipocrisia que leva o civilizado a civilizar o bárbaro.
Pesco palavras da boca de ventríloquos e alimento meu surrealismo.
Para esquecer...
arranco fumaça de vidro,
arranco areia de brasa,
para esquecer o que se passa.
Para conseguir respirar...


...respirar uma palavra.

Tuesday, December 01, 2009

A História da Minha Vida (Ficção)

Eu nasci num cubículo funcional da nossa nação, na capital, criado por um goleiro e sua trave de sustentação pessoal; heróis sobreviventes de um passado atual.
Fui Superman com capa de toalha, Rambo com metralhadora de plástico, 007 descalso, sem terno na rua. Me equilibrei sobre duas rodas com a ajuda do meu pai, que me soltou sem avisar, seguro da capacidade de me guiar.
Era um homem charmoso. Eu herdei muito dele.Tinha caráter: nunca descontou em ninguém um dia ruim. Minha mãe exalava um perfume de felicidade, incompreensível que me era. Elegante que só ela. Se escondia sozinha no closet, numa espécie de ritual; éramos obrigados a nos afastar. Magia: os truques - mistério, só nos era permitido o prestige.

Fugimos de casa aos treze, todos os três, juntos. Outralguém se apossara. Queríamos o sol, escolhemos onde ele nasce primeiro. The house of the rising sun, meu novo lar.
Fui apresentado formalmente à Solidão. Mal sabia, àquela época, que seríamos parceiros inseparáveis. Um longo período de contato me fez conhecê-la bem, consequentemente, conhecer a mim também. Isso nos afastou.

Num pentágono, formado por pessoas de todos os lados, me encaixei. Éramos 5: dois casais mais um amigo, para o que der e vier. Me apaixonei pela primeira vez. O primeiro verão da minha vida acabou no carnaval - ela se foi - o pentágono ficou com 4 lados e se desfez.
Minha amiga, a Solidão, voltou. Nunca mais a mesma pessoa. Nem eu nem ela.

Ainda no colégio - me apaixonei pela mais linda ave de rapina, que levou minha carne, sangue e coração. Só deixou o esqueleto.
Mas também me presenteou. Deu luz à pedra mais preciosa que eu poderia conhecer - que me acompanha até hoje.

Minha velha amiga veio de encontro ao esqueleto. Mais forte do que nunca, foi amiga de verdade dessa vez. Me ajudou a recompor minha carne, meu sangue, meu coração, cobrando um preço caro que paguei com desgosto. Mas foi bem pago, tudo ficou consertado. Bem, o coração ficou danificado por um tempo, até que eu me apaixonei de novo.
Dessa vez foi uma garça, cheia de graça, voava leve como papel. Até que descobri sua alma, pesada feito chumbo. A Solidão não foi nem tão longe. Voltou reforçada, acumulada por anos a fio. Decidi que era hora de romper com ela.

A Solidão, por mais acompanhado que podia estar, se disfarça de rostos e corpos distintos. Nunca consegui me separar dela de vez, não obstante o quanto tentei, o quanto conheci, o quanto vivi nesse tempo. Era inevitáel. Então, tinha de reatar com a Solidão, na sua expressão máxima de realidade.

Nos demos bem durante um tempo. Estávamos acostumados um ao outro como um velho casal. Nem ela me dava o que eu precisava, nem me cobrava o que pagasse. Um relacionamento simbiótico, sereno, calmo. Me dava forças, a desgraçada, me ensinou mais ainda sobre mim.
Até que, involuntariamente, me apaixonei (de novo). Não pela solidão.

Aliás, dessa vez não foi uma paixão, foi maior que isso. Não foi uma ave, foi a própria natureza, com todo o seu explendor. Não se pode viver sem a natureza. Não era a Solidão desfarçada, era o meu habitat sentimental, minha alma gêmea. Minha fauna e flora, os meridianos e os trópicos do meu mundo. Era meu fuso horário. Minha camada de ozônio. Muito me ensinou, muito aprendeu. A Mulher. Foi minha nova melhor amiga. Mas também minha arqui-inimiga. Aí estava: o problema.

Minha velha melhor amiga, a Solidão, já tinha deixado de ser minha inimiga há muito tempo. E agora ela voltou. Com toda a força que pode me dar, com todo o tormento que vai me ensinar a superar. Com todas as mudanças que vai trazer, com todos os rostos dos quais vai se desfarçar.

Será?