Thursday, August 09, 2007

O Clichê (Ficção)

Ambos faziam um amor silencioso debaixo das águas daquele chuveiro. Abraçando-a por trás, beijava seu pescoço de uma maneira suavemente agressiva, em pé. Ela, de costas para ele, tinha um prazeiroso e involuntário sorriso no rosto e os olhos fechados. Ele fazia todo o movimento e ela apenas se deixava levar. Abria levemente a boca em compasso com o movimento; não sentia as gotas de respingo, ou mesmo as que escorriam do seu próprio rosto, entrarem-lhe pela boca.
Até que, gradativamente, pararam. Sem dizer palavra, ela foi cautelosamente se desvencilhando do abraço forte, de modo que a contraparte, percebendo, afrouxou mais ainda o enlace até que a soltou de vez. Virando-se de costas para ela, abriu a porta de blindex e pegou uma toalha. Agora ela aproveitava totalmente o chuveiro, com as mãos em forma de concha e ainda os olhos fechados, na direção dos pingos sucessivos, que lhe caíam repetidamente pelo rosto. Dava a impressão de sentir e apreciar cada um deles em separado, como se fossem uma espécie de milagre.

Enrolado na toalha, ele deu dois passos até a pia, abriu uma bolsa, tirou lá de dentro barbeador, creme e pincel de barba. Espremeu a bisnaga, passou displicentemente o conteúdo pelo rosto e molhou o pincel com água. Pois-se a esfregá-lo, em movimentos circulares, pelo rosto, esperando espuma. Através da parede de vidro temperado, olhou para a garota, que ainda estava na mesma exata posição de adoração às águas.
"Ah, meu Deus, ela é linda" - ele pensou, e logo se retratou pelo clichê. Não só o clichê da frase, mas a própria situação era, por si só, um clichê enorme.
"Ela é mais linda do que eu jamais pude imaginar por baixo daquelas roupas" - agora sim se sentia original. Se fosse algum dia escrever aquela passagem, escritor que era, narraria o pensamento dessa forma. Continuou olhando-a enquanto a espuma se formava, espessa, no seu rosto. Assim que a área a ser raspada estava toda branca, lavou o pincel, bateu-o na pia a fim de tirar o excesso de água, e guardou-o. Da mesma bolsa surgiu uma carteira de cigarros e um isqueiro Zippo, que ele usou para acender o cigarro tirado da carteira. Ao fechar o isqueiro (Zippo são aqueles isqueiros de metal com uma tampa que fecha sobre o fogo - outro clichê, pensava), ela saiu do transe com o barulho. Abriu os olhos e olhou para ele; disse quase em silêncio "Papai Noel", por causa da barba branca de espuma, sorrindo. Apesar de não ter ouvido nada, ele sorriu de volta, deu um trago no cigarro e virou-se para o espelho; ela pegava um sabonete para passar pelo corpo. Assoprou a fumaça e começou a raspar o rosto. A cada trago, soltava a fumaça dividida entre nariz e boca, olhando-se no espelho, analizando o resultado, e raspava outra parte da espuma. Ela agora fechava a torneira da água e procurava uma toalha.
Saiu do box e, se secando, foi a primeira a tocar no assunto.
"E agora?" - perguntou.
"Passemos à próxima pergunta" - ele respondeu, irônico. Na verdade, dissera isso por não saber a resposta. Ela não gostou.
"Porque está desperdiçando o tempo dela?" - perguntou, num tom severo.
"Olha quem fala" - ele disse, secamente.
Nenhum dos dois conseguia evitar a felicidade, e exatamente por isso, tentavam culpar um ao outro.
Mesmo com essa quase-briga, ela, enrolada na toalha, se aconchegou nas costas dele. Sentiu seu cheiro e acaricou-o com o rosto; ele não resistiu e, virando, a abraçou. Tinham gostado demais para se odiarem, ou mesmo, se repelirem. Queriam que aquilo continuasse, mesmo sabendo que era errado.
Ele a soltou, virou-se para a pia e jogou água no rosto. Tirou a loção pós-barba, jogou-a no rosto e o arder o fez responder a última pergunta.
"Eu não estou desperdiçando o tempo dela. Posso até estar, mas não planejei nada disso. Ela é 100% amável, e completamente "não-abandonável". Mas você, como amiga, não ajudou muito" - terminou, com pesar no rosto.
"A culpa não é só minha. Não transei sozinha" - ela quase gritou. Ele a abraçou e disse que não foi isso que quis dizer; que para ele era difícil não pensar nela, mesmo desde quando se conheceram.
E clichê tinha sido até como foram apresentados. Ela era uma grande amiga da namorada dele. Tinha sido a confidente do namoro dos dois, por meses a fio, sem conhecê-lo pessoalmente, só de nome. Quando finalmente se conheceram, a empatia fora imediata. O humor dos dois era muito parecido, riram das mesmas piadas, conversaram assuntos em comum, todo o folhetim. Havia sido uma tarde muito agradável. Então, sempre que lembrava dela, ele sucumbia aos pensamentos. Mas a fidelidade, o namoro indo bem, além da proximidade das duas acabar com qualquer chance de se relacionarem, ele tentava esquecer ela. Mas o sentimento de perda já existia.
Até que se encontraram, por acidente, num shopping. Ele tinha ido almoçar e ela também. Estavam com a tarde livre, e ao se avistarem distraidamente, no restaurante japonês, cada qual sozinho, obviamente sentaram juntos. E a conversa se estendeu por toda a tarde, dali pra um café, e a carona oferecida por ele terminou em um beijo inevitável para os dois. Já na despedida se beijaram no rosto, como amigos, mas a aproximação fez os dois esquecerem do mundo e uma boca foi em direção a outra. Foi um beijo lento, quase cauteloso, mas que fez explodir fogos de artifício em volta deles. Ambos se calaram após, ele ligou novamente o carro e foram para o seu apartamento. Entraram se beijando e foram direto para o chuveiro. O resto é história.
E agora, estavam deitados na cama, abraçados e calados. Evitavam falar, como se isso os livrasse de lidar com a situação. Mas, como diz o ditado (clichê): o destino prega peças. O celular dele tocou, e advinha quem era?
"É a sua amiga" - ele simplesmente falou.
"E sua namorada" - ela completou, desnecessariamente sarcástica.
Com pesar, ele atendeu.
"Pô, eu me esqueci" - ele falou para o aparelho. "Já está aí? Está certo, estou indo agora."
Ela, deitada na cama, o olhava sem entender. Ele desligou o celular e virou-se:
"Combinamos de jantar hoje e eu tinha esquecido. Tenho que ir agora".
Ela, incrédula, nâo sabia o que fazer. Ele, notando, foi o primeiro a se manifestar:
"Vou terminar com ela hoje. Não é justo."
"E você vai contar?"
"Não. Ela vai precisar de uma amiga."
"Grande amiga eu sou." - ela olhou para baixo.
"Olha, eu vou contrar que eu me apaixonei por alguém, o que é a completa verdade. Não preciso dizer que foi você. E não vou dizer. Essa parte é sua. E a gente, como vai ficar?" - ele a olhava fixamente.
"Eu te quero, muito. Tô muito apaixonada por você. Mas não sei. Sinceramente, não sei."
E, diante disso, ele foi embora, terminar o namoro. Ela ficou lá, nua, enrolada numa toalha quase molhada, pensando no que fazer.

(Talvez) Continua na semana que vem... :P
Trilha sonora ideal para ler isso: Bebel Gilberto e Sérgio Mendes - Berimbáu - "Quem é homem de bem, não trái o amor que ele quer.."

6 comments:

Anonymous said...

É exatamente por isso que não assisto novela...
Essa agonia em doses homeopáticas, essa ansiedade durante 24h ou mais. Não dá para mim e nem para minha gastrite!
HaHaHa...
Você escreve do jeito que eu gosto (já disse isso né?) e por isso viajo demais quando leio. É dose!
No mais, isso foi um elogio apesar de não parecer. :P
Beijo!

Anonymous said...

Depois quero saber o resto da história... espero q nao tenha acontecido de verdade com alguém... beijo
xau

Anonymous said...

Gostei...concordo com a ana...detesto essa agonia pro "e amanhã?"

Você eh bom garoto...vai prum clube e investe no passe q vc leva jeito com bola
=]
hahaha bjooo
e olha.. nao eskece de me incluir no proximo

Anonymous said...

realmente.. fiquei curiosa!!!!
hahaha =x o que sera q vai acontecer?
beeeeeeeeeeem!
poderia escrever agora?
:P
o texto ta legal.. e eh muito comum no dia a dia uma historia dessas!
=D
bjos!

Anonymous said...

Eitá! Baixou o espírito de Gabus Mendes no hômi! hehehehe... "Será que Lindolfo Valentino contará a verdade a Maria Chispirita? Não percam os próximos capítulos de 'A força de uma buchada'!"...

F/X said...

eh, ueh, tem até trilha sonora auehueahauhaeuheu valew os coments