(Antes de ler isso, sugiro a leitura de: http://ficcaonaocientifica.blogspot.com/2006/11/fico-no-cientfica.html)
Abro meus olhos com o sol no meu rosto. Onde é que estou? Que horas são? De quem são esses cabelos ruivos e essas costas femininas do meu lado? As respostas surgem mais simples que as perguntas: Estou em casa, são 5:49 da manhã e os cabelos ruivos pertencem a Ela. Pensando bem, essa última resposta não é tão simples. "Quem é ela", me toquei de que não sabia. Sei seu nome, claro, estamos juntos fazem alguns meses, e eu não faço idéia de quem ela é. Inteligente, sagaz? Expressiva, espontânea? Talvez. Bonita? Sem dúvida. Eu sei que, outrora, tirei essas e outras conclusões a respeito dela, mas nada disso me parece plausível agora. Meu julgamento na hora em questão não é mais tão confiável.
Não que ela e eu não conversássemos; ao contrário, conversávamos até demais. O timeco de futebol para o qual ela torce eu me lembro; que odeia calcinha fio-dental ela me disse. Adora a saga "Jogos Mortais", sabe como cada personagem morre e a sequência certa. Adora McDonalds, vomita sushi. Ganha mais de mesada do que eu de salário, dorme tarde e até tarde (igual a mim), tem medo de fantasmas (diferente de mim). Já beijou mais do que eu, já fiz mais sexo do que ela. Meia dúzia de namorados anteriores a mim - e nem namorado sei se sou. Nos apaixonamos por um número igual de pessoas. Não sei se eu conto como paixão na lista dela - ela tem uma lista, sim - e nem se a própria conta como paixão para mim. Só sei que agora está deitada do meu lado, completamente nua e desconhecida - o que é uma contradição porquê, tecnicamente, se está nua do meu lado, eu deveria saber algo sobre ela.
Na noite passada, resolvemos ter uma - na verdade, a primeira - conversa séria de verdade. O que estávamos fazendo durante aquele tempo juntos, o que realmente tínhamos feito nas nossas vidas. No nosso passado, quem foram os personagens principais, quem foram os coadjuvantes. O que esperavámos do resto dos nossos dias. O que tínhamos aprendido, quem tínhamos guardado, quem tínhamos desprezado. O que existia em comum entre nós, o que não existia. Experiências sexuais, fantasias secretas. Quem nos tornaríamos, se uma pessoa juntos ou duas pessoas separados. Pratos limpos, roupas lavadas, cartas na mesa, jogamos tudo. Jogamos tudo para o alto.
E assim foi. Acabamos por nos conhecer demais, talvez mais do que era necessário - ou talvez mais do que realmente quiséssemos. Não valeu a conversa. "Quebrou o encanto", diria um velho sábio que conheci. Agora eu estou aqui deitado, cansado - por ter acordado na hora em que normalmente durmo - querendo ir embora da minha própria casa. Não quero lidar com o fim. Mas não iria adiantar de nada, eu tenho que dizer ou responder o "adeus". Sei que ela se sente do mesmo jeito, notei quando fizemos amor (?), como se fosse a última vez. Tenho certeza que foi.
Me levanto trôpego e fecho as cortinas que, abertas, me deixavam vulneráveis ao sol. Ela não parece se importar, dorme profundamente. Deito de volta para dormir, a fim de adiantar o relógio em direção ao inevitável "adeus" - ao invés do costumaz "bom dia". Quem será o primeiro a dizer? Quem terá que responder? Ela, eu?
Saturday, December 02, 2006
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6 comments:
Prezado Fábio,
Gostei muito do seu conto (crônica), o único problema é que eu não li nada.
Alexandre Martins
Não é uma crônica, Alexandre, e não tinha nada pra ler mesmo. vlw
Como é que uma pessoa gosta do que não vê? Do que não lê? Eu hein...
Muito bem escrito, seja lá o que for isso (crônica, conto, ficção ou não). Eu simplesmente me senti vendo a cena. Amo ler livros que me façam sentir assim, é um filme que se passa na cabeça. E, sinceramente, prefiro isso à cinema.
Talvez tivesse sido melhor terem mantido guardados determinados fatos de suas vidas (personagens), afinal de contas, uma das coisas que torna uma relação interessante é o ''conhecer'', descobrir diariamente um pouco mais sobre a outra pessoa sem que seja necessário entregar suas vidas como um livro aberto ou uma auto biografia.
Raíssa
Um tanto vago para mim, esse texto... Beijo
Prezado Fábio,
Parece que a publicação do meu comentário sarcástico causou comoção de outros comentaristas. Daí você vê o quanto eu fui útil. Meu comentário estimulou outros (positivos). Na realidade eu havia lido seu conto (fui corrigido)é que eu prefiro perder o amigo para não perder a piada (mesmo que sem graça). Continue escrevendo. James Elroy é o limite.
Alexandre Martins
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